domingo, 10 de fevereiro de 2013


Helena - I

                A mensagem havia chegado de um dos enviados dos Fortes de Vertaro. Um pequeno pedaço de papel sujo, amassado e rasgado. A mensagem, também pequena, dizia pouco e menos ainda, mas era o suficiente pra fazer com que todos os habitantes dos Fortes e das proximidades ficassem em alerta. Duas noites atrás, apareceu no portão do Forte que ficava ao extremo sul. Forte do Mar-Livre, era chamado. Sabia-se lá como o andante tinha chegado ali sem que nenhum sentinela ou guarda o tivesse avistado, mas lá estava ele. Sangrando e ofegante e com o rosto todo marcado em azul, delirando e falando algo sobre um homem que se vestia de cinza e levava seus inimigos á insanidade com um estalar de dedos.
            O nome do homem era Valerino, e isso foi o máximo que conseguiram de informações sobre ele antes que morresse. O azul no seu rosto começou a se espalhar, três horas depois da chegada do homem, seu corpo todo estava azul e ele estava queimando em febre. Cinco horas depois ele não conseguia mais falar, e pouco depois disso morreu. Nem os anciões em cura e nem seus aprendizes foram capazes de salvar o pobre coitado. A causa de morte não pôde ser definida, embora Helena pensasse que ele havia sido envenenado. Eu já vi homens sofrendo desse jeito, já vi homens que julguei imortais morrerem envenenados. Quando abriram o corpo para os devidos preparativos para que fosse enterrado, foi descoberto que o azul em seu rosto começou a atacar a parte interna do corpo. O coração, pulmões, rins, fígado e até o sangue estava azul. Minutos depois, acabaram em poeira.

            Dentro de suas roupas, que não haviam sido revistadas antes da morte do caminhante noturno – que é como Valerino ficou conhecido nos rumores mais extravagantes que rondavam a região. – encontraram o pedaço de papel amassado e sujo. Era frágil, como se tivesse mil anos e mais ainda. A roupa foi enterrada junto com as cinzas do que outrora foi um corpo. Cada corpo enterrado aqui guarnece nossos fortes. E toda proteção será necessária. Quando o corpo foi enterrado, perto do mar, o sol se punha e um suave vento vindo de noroeste agitava as copas das árvores e deixava o clima agradável. Helena e dois de seus guardas enterraram o corpo, perto do portão por onde ele tinha chegado. Enterraram-no ao por do sol, porque acreditavam que o que se planta no por do sol, é levado para longe. E o que se planta ao nascer do sol, é colhido. Não precisamos de mais morte, pensou Helena, entristecida.
            A essa altura, todos já sabiam o que estava escrito na mensagem, e comentavam absurdos e mais absurdos. Era normal ver duas ou mais pessoas conversando sobre o caminhante noturno, e falarem dele como um presságio de morte e caos. Era normal ver grupos de pessoas comentando sobre o pedaço de papel que ele trazia, e os rumores criados a partir de uma única palavra eram tão grandiosos e insanos que Helena não duvidaria que dentre todos eles algum teria uma pitada de verdade. De apenas um ‘preparem-se’, criaram-se boatos de que demônios enviaram o caminhante como um campeão, e o mataram lentamente para provar o poder que detinham. Outros diziam que uma maldição fora lançada sobre o reino dos homens, para puni-los por terem magoado algumas divindades. Os rumores que mais correram e também os menos absurdos, eram os de que antigos inimigos ou amigos de outrora estavam se reerguendo e buscando as terras e reinos que uma vez tiveram, ou para ajudar numa guerra que logo chegaria.
            Ouvia-se muito sobre os Radinianos, que perderam seu continente na revolução Radiniana, a algumas centenas de anos atrás. Também se falava sobre os que uma vez viveram nas terras sem trono, ao extremo oeste de Vertaro, que foram massacrados numa guerra civil e os poucos que sobraram se juntaram a Vertaro. Helena ouviu um vendedor de jóias dizendo que todos estavam errados, e que eram os seguidores dos Anciões Monarcas de Além-Véu que estavam retornando para prestar ajuda mais uma vez para Vertaro e as outras terras do reino dos homens. A batalha dos Anciões Monarcas era uma história que qualquer criança conhecia e adorava. Aconteceu quando as criaturas das sombras e alguns humanos aliados decidiriam que era hora de tomar o poder para eles e construir um mundo com suas próprias leis e costumes, os humanos estavam quase perdendo a guerra quando os seres puros de Além-Véu chegaram com a aurora e fizeram parte na batalha, lutando pelos humanos.
            Helena estava lá quando aconteceu, e ela se lembrava de ter derrotado alguns demônios e alguns mortais que tentavam atacar o Forte do Mar-Livre. Esse mesmo mar, de onde veio o caminhante noturno. Depois de uma quinzena de batalha, as forças e as esperanças já minguavam, e na aurora do décimo sexto dia ela pôde ver, pela janela de onde ela estava como sentinela, os de Além-Véu chegando aos milhares e mais ainda. Eles criaram um escudo, primeiro para proteger as terras mortais e os que estavam lá, e depois fecharam um cerco de luz prendendo vários dos inimigos ali num semicírculo, e os empurrando para o mar. Morreram todos afogados.
            Um dos capitães dos que viviam em Além-veu, Iggard, depois que terminou a batalha requisitou se reportar com o capitão do Mar-Livre. Mas o capitão e mentor de Helena, Lerrino Goss Velir, havia morrido em batalha. E foi então que a aprendiz de Velir havia sido eleita capitã do Forte pelos que não haviam morrido em luta. Então ela pôs-se a ouvir o que Iggard tinha a falar... Depois disso, tudo o que ela se lembrava era de ter acordado no Forte à direita, Forte do Pedregulho. O capitão estava ao seu lado quando ela acordou, e lhe contou que uma segunda onda de demônios e homens que lutavam para as criaturas das sombras chegou de surpresa. Eles foram neutralizados, mas o forte do qual Helena era capitã havia três meses e dois dias estava semi-destruído. Tinha dormido por três meses, e quando acordou a revolução tinha sido contida.
            - Capitã Velir? – Ela ouviu a voz como se ela viesse de outro tempo, apenas um sopro suave chamando por seu nome. – Capitã. Devemos voltar ao forte. Em alguns minutos a patrulha começa, e as sentinelas começam a guarda interna.
            - Sim... Estive pensando em coisas passadas. Vamos. – Ela seguiu em direção ao forte. Ninguém sabia quem eram o pai ou mãe dela, mas ela ficava satisfeita em poder usar o nome de seu mentor como sobrenome. Velir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário