Helena
acordou e desejou voltar a dormir. Sabia que dia era aquele, e ela o tentava
adiar. Levantou-se da cama demasiadamente grande e confortável de seu quarto, e
vestiu-se. Rapidamente um dos meninos que treinava em Forte do Mar-Livre lhe
trouxe seu café da manha e foi-se tão repentinamente o quanto tinha chegado.
Era um menino magricela que não chegou a ver Helena, que estava na varanda de
seus aposentos, localizado no terceiro nível do Forte do Mar-Livre.
A vista
que se tinha era deslumbrante: Conseguia-se ver o Grande Rio Yerto, se
dividindo em várias ramificações que se dividiam em mais ramificações, e
algumas dessas terminarem no Mar-Livre; Conseguia ver toda a parte frontal do
vale, via alguns jovens sendo instruídos em magias antigas num dos muitos
jardins que existiam nas proximidades. Fenkir, que era o professor, tentava
ensiná-los a reanimarem corpos depois de desmaiados. O professor desmaiou um
dos alunos, para demonstração, e então o reanimou facilmente. O instrutor
começou a falar, e os instruídos ouviam atentamente. Helena não o ouvia, mas
sabia o que ele estava dizendo. Lembrava-se, ainda, das vezes que seu pai
adotivo a ensinava. “Para reanimar um corpo desmaiado, é preciso transmiti-lo
parte da própria energia, doá-la. E manter o fluxo enquanto a magia acontece,
depois disso ser feito o fluxo de energia pode ser interrompido”. O antigo
Senhor Capitão Velir foi o melhor professor que teve, não só para magia, mas
como para a vida.
Os
jovens puseram-se a trabalhar, em dupla, um desmaiava o parceiro e tentava o
reanimar após isso. Depois de alguns minutos, um menino de cabelo verde escuro
que trajava uma saia e uma proteção de couro no peito obteve sucesso, para
deleite de Fenkir. Ele realmente aprende
rápido, esse Rupert. O menino magricela tinha olhos verdes e um rosto suave. Tinha pele um pouco mais
escura que pálida, e um pouco mais clara que morena. Era o aluno mais avançado
no Forte do Mar-Livre, e tinha apenas dezessete anos, enquanto alguns da mesma
turma já tinham passado dos vinte e cinco. Havia chegado a Vertaro há doze
anos, entregue para Lerrino Goss Velir por um homem estranho com o rosto
encoberto por um capuz que não foi mais visto depois disso. Tudo o que se tinha
de informação sobre o menino era que ele havia perdido os pais. Não se soube
como, quando ou por que. Tudo o que o garoto, que na época tinha cabelo preto,
liso e escorrido, se lembrava era seu nome. Rupert.
Helena
deixou a varanda lentamente, não queria sair dali. Sentou-se na cama em que
havia dormido e olhou o café. Dois ovos fritos, duas fatias de pão frito com
manteiga, um bife de peixe assado e uma jarra de suco de maça. Comeu um ovo, as
duas fatias de pão e o bife e bebeu duas taças do suco. Esperou mais um tempo,
sentada na cama, enquanto lia um livro antigo que contava a história dos deuses
de Yurth’Hur. Os Deuses de Além Tudo, do sacerdote Vegar Junti Velir. Vegar era
irmão do tataravô de Lerrino Goss Velir, que não havia gerado filhos por ser um
sacerdote que servia somente aos deuses. Na descrição de Vegar, os deuses não
eram mais do que pura energia, e estavam em todos os lugares ao mesmo tempo,
apenas observando, neutros. Não tomavam partido sobre seres menores. Eles eram
tudo e não faziam nada em relação à vida. “Os deuses começam a agir sobre um
ser menor depois da hora de sua morte, levando-o para as Terras de Além-Vida.
Acolhendo-os em sua morada e transformando-os em seres puros e sem malícias”,
dizia um dos capítulos do livro, com nome de “Yurth’Hur Ka Gurth”, onde ‘Ka’
significa ‘Vale’ no idioma antigo de Yurth’Hur, e ‘Gurth’ significa ‘Divino’. Yurth’Hur, o vale divino.
Deixou o livro de lado e
saiu de seu quarto, rumando em direção ao pátio principal de Mar-Livre, andava
lentamente, admirando as paisagens no caminho. Pôde ver o mesmo jardim onde Fenkir
treinava seus aprendizes, mas já não havia ninguém no jardim. Por quanto tempo eu fiquei lendo? Perguntou-se
Helena, apressando um pouco o passo. Quando passou por uma ponte que ligava a
parte lesta do Forte à parte sul, percebeu que o dia estava frio. Um vento
forte soprava da costa em direção á Vertaro e nuvens começavam a ganhar espaço
lentamente. Uma tempestade nos aguarda.
Atravessou a ponte e chegou ao pátio, mas não o adentrou, um grupo de pessoas
que Helena não conhecia prendeu sua atenção por um tempo. Pessoas estranhas, mas usam trajes de Vertaro. Passou pelo pátio,
ainda pensando em quem seria aquele estranho grupo do lado de fora.
Andou
um pouco mais antes de passar pelo Grande Salão, que era usado apenas para
treinamento em batalha avançada. As paredes do salão eram fortes e grossas e
protegidas por alguns encantamentos para que não fossem quebradas, cinzentas e
feias, as pedras estavam lá desde que Forte-Mar existia. Ouviu algumas vozes
vindas da grande estrutura de pedra cinzenta, algumas gritavam com raiva. Mas que merda esta acontecendo? Atravessou
as grandes portas feitas de madeira, com altura de três metros e espessura de
trinta centímetros.
Lá
dentro, encontrou Fenkir, o professor. Encontrou Luky, seu co-capitão, e metade
de sua guarda pessoal. E vários rostos que não conhecia... Helena passou os
olhos pela sala, ninguém há havia notado, até então. E num dos cantos da sala
ela o encontrou...
Locke.
O sujeito havia perdido um
dos olhos, e no lugar ganhara uma cicatriz. Parecia ter envelhecido vinte anos
desde que o tinha visto pela ultima vez, no Véu, depois que a guerra dos cinco
teve seu fim. O sujeito estava mais medonho do que era, e já começava a ter
alguns fios brancos na cabeça. Mesmo os
imortais ficam velhos, e param de envelhecer quando estão em seu ápice. Se
Locke ainda não chegou em seu ápice, então... O olho preto do homem olhava
a discussão, inaudível, com calma. Ao lado do homem, estava um sujeito
encorpado que se vestia em trapos iguais aos de Locke, só então Helena prestou
mais atenção em suas roupas. Eram nada mais que trapos, rasgados em algumas
partes, e com grandes capuzes para cobrir-lhes o rosto. Ao contrário de Locke,
o segundo sujeito tinha o rosto mais bonito que ela já tinha visto. Esse aí já deve ter partido o coração de
várias donzelas estúpidas. Tinha cabelos prateados e grandes lábios
rosados. Olhos tão cinzentos quanto a tempestade que se aproximava e nenhuma
imperfeição no rosto.
Helena
olhou-o por certo tempo, então voltou ao presente e tentou ouvir, sem sucesso,
o que os gritos diziam. Foi então que Locke a viu, e deu um passo, depois outro
e o seguinte. Chegou numa plataforma aos fundos do salão e pediu silêncio, e o
silêncio não veio. Ele decidiu, então, tomar uma abordagem mais prática. Helena
percebeu pouco antes de aconteceu, e formou um escudo em volta de si mesmo. A aparência mudou, as atitudes, não.
O homem sem um olho pegou a
espada que tinha em sua bainha e a desembainhou, bateu com a ponta afiada no
chão, formando uma onda de vento que fez com que todos na sala, exceto Helena e
os dois homens vestidos em trapos, se balançassem. Alguns caíram no chão. E
então, Locke falou:
-Obrigado
pelo silêncio de todos. Olá, Senhora Capitã Velir, é bom vê-la. Esses filhos
das putas não deixaram que eu fosse até seus aposentos, e também se recusaram a
te chamar. Seu co-Capitão, amaldiçoado seja, disse que eu não poderia me
comunicar com você hoje e nem nos próximos dias. – Locke falava sério, mas
queria rir, Helena percebeu. Se o
fizessem esperar mais pra falar comigo, creio que alguns nessa sala estariam
desmaiados. – Senhorita Velir, podemos nos falar a sós? Isso é, nós dois e
esse outro aqui, pode chamá-lo de Peter. É um bastardo, então, só Peter.
Todos
olhavam em direção a Helena, obviamente os dois homens recusaram-se a fornecer
qualquer informação aos moradores do Forte do Mar-Livre que os impediam de
falar com Helena. Fenkir, o professor, fazia um sinal negativo com a cabeça.
Luky, seu co-Capitão, estava ainda com raiva de Locke. Peter, o sujeito do
rosto bonito, cumprimentou Helena com um balançar da cabeça. Não posso ceder tão facilmente. Não na
frente dos oficiais de Forte do Mar-Livre. E não gosto desses sujeitos que não
conheço, mesmo sendo eles parceiros de Locke. Olhou para todos que a
olhava, e então, decidiu que não deveria privar seus irmãos de informações.
- Se
quer falar comigo, Senhor, pode falar aqui. Na frente de todos. –Luky sorriu,
Fenkir fez um sinal de aprovação. Os outros oficiais do Forte fizeram barulho
em aprovação. – Poderá falar comigo a sós, mas quero saber do que se trata, e
não acho correto privar meus irmãos da informação que quer me passar. Senhor.
Locke
sorriu.
- Você
realmente se parece com Lerrino. Pois bem. Temo que alguns aqui não deveriam
ouvir o que tenho a dizer, não ainda. É um assunto altamente importante. Remete
a antigas guerras, antigos inimigos. Inimigos não tão antigos, Velir. Mas, se
realmente quer, nos falaremos aqui mesmo. Primeiramente, Hugh está morto.
Fez-se
silêncio. Alguns ali não sabiam quem era Hugh e ficaram confusos. Os que sabiam
quem era Hugh ficaram pálidos. Alguns comemoraram, porque sabiam que Hugh era
um traidor. Hugh está morto? Mas que
desgraça é essa? E, como Locke sabe disso? O homem fez menção de recomeçar
a falar. Helena o parou.
-
Convenceu-me, bastardo. Venha comigo. – Locke começou a descer da plataforma,
sorrindo. Vitória, ele deve estar
pensando. – Vamos.
Luky
adiantou-se, parou na frente de Helena, e começou a falar:
-Mas,
Capitã, e seu compromisso no Véu? Não sei se lembra, mas o conselho de reúne
hoje. Senhora. – Luky claramente não tinha feito realmente nenhuma afeição por
Locke. Helena o ignorou.
-
Venha, Locke. Peter. – Helena saiu pela mesma porta que tinha entrado, e fez o
mesmo caminho que tinha feito minutos atrás. Em seus aposentos, Locke reportou
algumas informações que realmente não poderiam ir á publico. Helena estremeceu
com a ultima delas.
Então, Xófeus vive...
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