A ultima coisa que ouviu foi
a gargalhada, e quando se virou não conseguiu ver a face de seu atacante. Embora eu tenha certeza que é aquele
meio-irmão de Xófeus. Depois disso, tinha acordado numa cela escura e sem
janelas e uma única porta feita de ferro numa das paredes. A magia de Suhsahna
não funcionava naquela sala. A cela era feita de pedras cinzentas em forma
retangular, exatamente como as pedras que construíam o castelo do Intocado e
praticamente todas as grandes construções no continente de Trovergo. Cinzetta,
era como chamavam aquela pedra. Era dura e resistente como metal, mas
muitíssimo mais leve. Na sala havia uma cama e uma cadeira, um grande tapete
vermelho cobria o chão totalmente, enquanto alguns estandartes da mesma cor
cobriam partes da parede. Num dos cantos havia também uma latrina.
Os dias
se passavam sem que Suhsahna soubesse. A única forma que tinha para saber
quanto tempo se passava eram as horas das refeições, que eram sempre a mesmas
coisas (Um ensopado de peixe com legumes que as vezes vinha acompanhado de ovos
cozidos ou fritos. E para beber, água). Suhsahna supunha que a cada duas refeições
se passava um dia, e a cada seis refeições, alguém encapuzado vinha e limpava a
latrina magicamente. E passados alguns dias, embora ela não soubesse exatamente
quantos, foram enviadas algumas roupas limpas. As roupas eram feitas de algodão
e bastante confortáveis, o que era estranho. Geralmente quando te capturam, não tomam todas essas providências. Suhsahna
estava surpresa por não ter sido estuprada, morta ou torturada, mas era grata
por isso.
Virou
rotina acordar, esperar a refeição
seguinte chegar, comer e voltar a dormir. Rezava aos deuses para que eles a
ajudassem. As vezes, enquanto dormia, Suhsahna desejava estar em um sonho ruim
e acordar no Véu. No Vale do Intocado. Mas os deuses não ajudavam mortais antes
da morte, para obter o suporte divino, era preciso estar morto. Suhsahna pensou
em se matar depois de passados mais alguns dias, e seu captor pareceu ler sua
mente. Zirdul é a pessoa que chegou mais
longe na telepatia, ele estudou os mistérios da mente e da tortura a fundo. A
cada dia que passava, a certeza sobre o nome de seu captor ficava mais forte, e
a vontade dela de viver ficava mais fraca.
Num
desses dias, quando a refeição foi trazida por uma pessoa que usava uma máscara
de madeira, Suhsahna tentou obter alguma informação. Já não agüentava mais o
silêncio contínuo que a enlouquecia.
- Por
favor, senhor. Ou senhora. Por favor. Onde estou? – Não obteve nenhuma
resposta. Mas continuou perguntando. Quando o sujeito mascarado deixou a
bandeja de comida por cima da cama e começou a se mover em direção a porta, Suhsahna
agarrou a jarra de metal e jogou-a no sujeito. A jarra o atravessou e caiu
bateu na parede, do outro lado. A porta se abriu e o sujeito se foi.
Suhsahna
sentou-se na cama e chorou. Estava cansada daquilo. Queria saber o que estava acontecendo,
queria sair dali. O pior não era ficar presa. O que eu não suporto é ficar sem informações sobre nada. Lembrou-se
de Xófeus, preso naquela estátua, já se tinham passado cinco anos. Chorou mais,
então, imaginando a perspectiva de ficar ali por cinco anos. A próxima refeição
não veio no tempo em que vinha usualmente. Foi
por eu ter jogado a jarra naquele espectro. E, naquele dia, em vez de ter
recebido duas refeições, recebeu uma. Não voltou a atirar a jarra ou qualquer
coisa nos espectros que a serviam.
Pareceu
acostumar-se com a monótona cela na qual passou a viver. E, depois disso, não
demorou mais que três refeições para que seu captor viesse vê-la. Era Zirdul,
estava vestido em trapos não de cor cinza, mas de cor branca. Ele tinha seu
cabelo branco incrivelmente liso, e sua barba tão lisa quanto. É o cabelo de Murky. O mesmo cabelo que
Xófeus tem. Esse um pode ser bastardo, mas herdou algumas características do
pai. Não podia se dizer muito sobre Zirdul. Mas o pouco que se dizia sobre
ele, é que era baixo. Em dois sentidos: Primeiro, o sujeito não tinha mais de
um metro e meio de altura. E, segundo, ele nunca foi conhecido por jogar limpo.
O assassino de Iggard.
Suhsahna
olhou-o nos olhos, e ele retribuiu. Seus olhos eram de uma cor cinza quase
inexistente. Eram praticamente brancos. Ele parecia um fantasma vestido em seus
trapos brancos, tinha a pele tão pálida quanto à roupa e os olhos. Com um
balançar de uma das mãos, a porta se fechou detrás dele enquanto adentrava a
sala. Deitada na cama, continuou a olhá-lo, então se sentou e não disse nada.
Os pés descalços e pálidos se arrastavam pelo tapete fazendo um som contínuo,
até que parou. O silêncio se manteve por um tempo, então Zirdul quebrou-o:
- Senhora
Suhsahna. Bastarda de Zucko com uma portadora do sangue de Iggard. – Sentiu-se
confusa, nunca soube quem tinham sido seu pai e sua mãe, mas essa possibilidade
era loucura. – Você detém de sangue antigo de ambos os lados. Sangue do Véu e
sangue de Além. O líquido que corre nas suas veias é mais antigo do que eu
ousaria dizer. Descende diretamente dos primeiros habitantes de Yurth’Hur. Da
Mãe.
O sujeito realmente é louco. Maluco.
- Sei que me acha maluco. – Ainda assim, é um maluco genial. E
incrivelmente forte, esse bastardo. – Não me xingue de bastardo, Senhora.
Você também é uma. Filha de duas traições. Filha de duas linhagens
poderosíssimas. Eu quero seu sangue, sua puta. Prometo que não vai doer. A
morte não dói.
Não.
Zirdul sacou uma adaga de
pedra e pôs-se a mover em direção a cama onde Suhsahna estava sentada. Tentou
se mover, mas o pequeno e pálido homem havia a paralisado com magia. Suhsahna
gritou.
- Não grite.
Porra. Eu disse que não iria doer. – Zirdul riu e continuou a avançar. Suhsahna
gritou novamente, mas nenhum som saiu. Ele
calou minha boca com mágica.
Não soube o que fazer, e
então se viu chorando novamente, enquanto a lâmina de pedra ia sendo passada
pelo seu braço. Viu seu sangue escorrendo, e Zirdul guardando a adaga num
recipiente de vidro. Tudo ficou negro, então.
Suhsahna
acordou na mesma cela em que estava. Não sabia se havia sonhado ou não. Não se
lembrava do que era real, e do que não era real. Assustada, levantou da cama e
abriu os olhos...
Viu
Zirdul ali, parado, vestido em branco e com a adaga embainhada em sua cintura.
Olhou seu próprio braço, e não havia corte algum. Concluiu, por um momento, que
aquilo foi um sonho. Mas, e se estou em
um sonho agora, e aquilo foi real? Dessa vez, ela se levantou, ficando em
pé com dificuldade. O homenzinho não desembainhou a adaga, deixou-a lá mesmo,
onde estava. Apenas sorriu. Era um sorriso de malícia, um sorriso que dava medo
e arrepios, ainda mais se quem via a expressão sorridente naquela face pálida
soubesse o que ele era capaz de fazer.
- Você
é uma bastarda. Uma filha de uma puta e de um traidor. Mas é uma bastarda muito
bonita. Com um corpo muito bonito.
Não...
Sentiu-se
paralisada, novamente, e sentiu suas roupas se rasgando. Primeiro, deixando
seus seios à mostra. Depois, deixando-a apenas com a calçinha que usava.
Suhsahna virou-se em direção a cama e andou até lá, deitou-se e sentiu as
pernas se abrirem. Zirdul riu, gargalhou. Então, olhou-a, apreciando-a. As
roupas brancas do bastardo começaram a ser tiradas por ele mesmo enquanto
caminhava em direção a Suhsahna.
Pela
primeira vez, Suhsahna realmente desejou estar morta. Lágrimas escorreram de
seus olhos, e então fechou-os.
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