sábado, 16 de fevereiro de 2013

Suhsahna - II

                Suhsahna não se lembrava de como havia chegado naquela cela e nem por que estava ali. Não saberia dizer se era dia ou se era noite, e não tinha qualquer palpite sobre o que tinha se passado desde que acordou pela ultima vez em ser quarto na torre sul do Véu. Ela se lembrava vagamente de ter se vestido com o vestido de cor esmeralda que usava, e também de ter saído de seu quarto e descido os vinte degraus que a levaram para o corredor que levava para o pátio de entrada do castelo do Intocado. Conseguia afirmar que viu Hugh morto, com uma adaga cravada ao peito. E a gargalhada...
                A ultima coisa que ouviu foi a gargalhada, e quando se virou não conseguiu ver a face de seu atacante. Embora eu tenha certeza que é aquele meio-irmão de Xófeus. Depois disso, tinha acordado numa cela escura e sem janelas e uma única porta feita de ferro numa das paredes. A magia de Suhsahna não funcionava naquela sala. A cela era feita de pedras cinzentas em forma retangular, exatamente como as pedras que construíam o castelo do Intocado e praticamente todas as grandes construções no continente de Trovergo. Cinzetta, era como chamavam aquela pedra. Era dura e resistente como metal, mas muitíssimo mais leve. Na sala havia uma cama e uma cadeira, um grande tapete vermelho cobria o chão totalmente, enquanto alguns estandartes da mesma cor cobriam partes da parede. Num dos cantos havia também uma latrina.

                Os dias se passavam sem que Suhsahna soubesse. A única forma que tinha para saber quanto tempo se passava eram as horas das refeições, que eram sempre a mesmas coisas (Um ensopado de peixe com legumes que as vezes vinha acompanhado de ovos cozidos ou fritos. E para beber, água). Suhsahna supunha que a cada duas refeições se passava um dia, e a cada seis refeições, alguém encapuzado vinha e limpava a latrina magicamente. E passados alguns dias, embora ela não soubesse exatamente quantos, foram enviadas algumas roupas limpas. As roupas eram feitas de algodão e bastante confortáveis, o que era estranho. Geralmente quando te capturam, não tomam todas essas providências. Suhsahna estava surpresa por não ter sido estuprada, morta ou torturada, mas era grata por isso.
                Virou rotina acordar, esperar a refeição seguinte chegar, comer e voltar a dormir. Rezava aos deuses para que eles a ajudassem. As vezes, enquanto dormia, Suhsahna desejava estar em um sonho ruim e acordar no Véu. No Vale do Intocado. Mas os deuses não ajudavam mortais antes da morte, para obter o suporte divino, era preciso estar morto. Suhsahna pensou em se matar depois de passados mais alguns dias, e seu captor pareceu ler sua mente. Zirdul é a pessoa que chegou mais longe na telepatia, ele estudou os mistérios da mente e da tortura a fundo. A cada dia que passava, a certeza sobre o nome de seu captor ficava mais forte, e a vontade dela de viver ficava mais fraca.
                Num desses dias, quando a refeição foi trazida por uma pessoa que usava uma máscara de madeira, Suhsahna tentou obter alguma informação. Já não agüentava mais o silêncio contínuo que a enlouquecia.
                - Por favor, senhor. Ou senhora. Por favor. Onde estou? – Não obteve nenhuma resposta. Mas continuou perguntando. Quando o sujeito mascarado deixou a bandeja de comida por cima da cama e começou a se mover em direção a porta, Suhsahna agarrou a jarra de metal e jogou-a no sujeito. A jarra o atravessou e caiu bateu na parede, do outro lado. A porta se abriu e o sujeito se foi.
                Suhsahna sentou-se na cama e chorou. Estava cansada daquilo. Queria saber o que estava acontecendo, queria sair dali. O pior não era ficar presa. O que eu não suporto é ficar sem informações sobre nada. Lembrou-se de Xófeus, preso naquela estátua, já se tinham passado cinco anos. Chorou mais, então, imaginando a perspectiva de ficar ali por cinco anos. A próxima refeição não veio no tempo em que vinha usualmente. Foi por eu ter jogado a jarra naquele espectro. E, naquele dia, em vez de ter recebido duas refeições, recebeu uma. Não voltou a atirar a jarra ou qualquer coisa nos espectros que a serviam.
                Pareceu acostumar-se com a monótona cela na qual passou a viver. E, depois disso, não demorou mais que três refeições para que seu captor viesse vê-la. Era Zirdul, estava vestido em trapos não de cor cinza, mas de cor branca. Ele tinha seu cabelo branco incrivelmente liso, e sua barba tão lisa quanto. É o cabelo de Murky. O mesmo cabelo que Xófeus tem. Esse um pode ser bastardo, mas herdou algumas características do pai. Não podia se dizer muito sobre Zirdul. Mas o pouco que se dizia sobre ele, é que era baixo. Em dois sentidos: Primeiro, o sujeito não tinha mais de um metro e meio de altura. E, segundo, ele nunca foi conhecido por jogar limpo. O assassino de Iggard.
                Suhsahna olhou-o nos olhos, e ele retribuiu. Seus olhos eram de uma cor cinza quase inexistente. Eram praticamente brancos. Ele parecia um fantasma vestido em seus trapos brancos, tinha a pele tão pálida quanto à roupa e os olhos. Com um balançar de uma das mãos, a porta se fechou detrás dele enquanto adentrava a sala. Deitada na cama, continuou a olhá-lo, então se sentou e não disse nada. Os pés descalços e pálidos se arrastavam pelo tapete fazendo um som contínuo, até que parou. O silêncio se manteve por um tempo, então Zirdul quebrou-o:
                - Senhora Suhsahna. Bastarda de Zucko com uma portadora do sangue de Iggard. – Sentiu-se confusa, nunca soube quem tinham sido seu pai e sua mãe, mas essa possibilidade era loucura. – Você detém de sangue antigo de ambos os lados. Sangue do Véu e sangue de Além. O líquido que corre nas suas veias é mais antigo do que eu ousaria dizer. Descende diretamente dos primeiros habitantes de Yurth’Hur. Da Mãe.
                O sujeito realmente é louco. Maluco.
                - Sei que me acha maluco. – Ainda assim, é um maluco genial. E incrivelmente forte, esse bastardo. – Não me xingue de bastardo, Senhora. Você também é uma. Filha de duas traições. Filha de duas linhagens poderosíssimas. Eu quero seu sangue, sua puta. Prometo que não vai doer. A morte não dói.
                Não.
                Zirdul sacou uma adaga de pedra e pôs-se a mover em direção a cama onde Suhsahna estava sentada. Tentou se mover, mas o pequeno e pálido homem havia a paralisado com magia. Suhsahna gritou.
                - Não grite. Porra. Eu disse que não iria doer. – Zirdul riu e continuou a avançar. Suhsahna gritou novamente, mas nenhum som saiu. Ele calou minha boca com mágica.
                Não soube o que fazer, e então se viu chorando novamente, enquanto a lâmina de pedra ia sendo passada pelo seu braço. Viu seu sangue escorrendo, e Zirdul guardando a adaga num recipiente de vidro. Tudo ficou negro, então.
                Suhsahna acordou na mesma cela em que estava. Não sabia se havia sonhado ou não. Não se lembrava do que era real, e do que não era real. Assustada, levantou da cama e abriu os olhos...
                Viu Zirdul ali, parado, vestido em branco e com a adaga embainhada em sua cintura. Olhou seu próprio braço, e não havia corte algum. Concluiu, por um momento, que aquilo foi um sonho. Mas, e se estou em um sonho agora, e aquilo foi real? Dessa vez, ela se levantou, ficando em pé com dificuldade. O homenzinho não desembainhou a adaga, deixou-a lá mesmo, onde estava. Apenas sorriu. Era um sorriso de malícia, um sorriso que dava medo e arrepios, ainda mais se quem via a expressão sorridente naquela face pálida soubesse o que ele era capaz de fazer.
                - Você é uma bastarda. Uma filha de uma puta e de um traidor. Mas é uma bastarda muito bonita. Com um corpo muito bonito.
                Não...
                Sentiu-se paralisada, novamente, e sentiu suas roupas se rasgando. Primeiro, deixando seus seios à mostra. Depois, deixando-a apenas com a calçinha que usava. Suhsahna virou-se em direção a cama e andou até lá, deitou-se e sentiu as pernas se abrirem. Zirdul riu, gargalhou. Então, olhou-a, apreciando-a. As roupas brancas do bastardo começaram a ser tiradas por ele mesmo enquanto caminhava em direção a Suhsahna.
                Pela primeira vez, Suhsahna realmente desejou estar morta. Lágrimas escorreram de seus olhos, e então fechou-os.

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